Acessibilidade, Design Universal e Daltonismo

Muito se fala sobre acessibilidade, mas existe ainda uma grande distância entre a teoria e a prática. O termo, apesar de conhecido, não é tão simples quanto parece. O primeiro ponto que vale ressaltar é que a acessibilidade é um conceito muito abrangente: pode ser de vários tipos, de acordo com o público ao qual é direcionada, existem os mais variados tipos de limitações a serem consideradas – motoras, sensoriais, intelectuais -­ e dentro delas, milhares de particularidades. Lembrando também que a acessibilidade abrange tanto o mundo físico quanto o digital, e, em ambos, influencia diretamente na experiência dos usuários. Por isso é sempre muito importante, avaliar e conhecer o público com o qual estamos lidando.

Nesse nosso mundo digital, existem vários mitos que rondam a acessibilidade. Afinal, quem nunca ouviu falar que criar acessibilidade é caro e difícil?

Apesar de já vir estudando o tema há algum tempo, a minha primeira oportunidade de atuação direta com acessibilidade na área digital apareceu, recentemente, por meio de um projeto, onde seria realizada a criação da interface de um sistema de reservas a ser operado, não somente, mas também, por um usuário daltônico. E é através desta minha experiência que vou desmistificar essa ideia para vocês.

Ao me deparar com essa proposta, onde a minha criação teria que abranger usuários aparentemente sem nenhuma limitação e um usuário com uma limitação visual, vi a oportunidade de aplicar o famoso conceito de design universal, que é norteado por 7 princípios:

  1. Igualitário
  2. Adaptável
  3. Óbvio
  4. Conhecido
  5. Seguro
  6. Sem esforço
  7. Abrangente

Estes princípios exploram muito bem a ideia de que para fornecer uma boa acessibilidade não é necessária nenhuma funcionalidade extra, desde que você analise todos requerimentos dos usuários para a utilização ideal do sistema. E uma vez feito isso, a mesma interface pode ser apresentada para os dois públicos e o custo para desenvolver é exatamente o mesmo.

Mas repare bem que eu falei design universal, e não design acessível.

Design Acessível x Design Universal

Você deve estar se perguntando: mas afinal, qual a diferença?

A diferença não está exatamente na aplicação e sim na abrangência. Quando pensamos em design acessível, voltamos os nossos esforços para a adaptação de algo para pessoas portadoras de necessidades especiais. Um exemplo simples, você tem um site construído, mas precisa agora prever a utilização por usuários daltônicos, tendo que adaptar a sua interface já existente. Nesse caso, o design acessível, poderia propor a criação de um novo site voltado para esse público em especial.

Já no caso do design universal, o intuito não é focar em uma necessidade especial, mas sim, tornar o design acessível para a maior quantidade possível de pessoas. Não seriam feitos dois sites, para comportar a acessibilidade, seria realizado um único esforço, onde os dois públicos pudessem ter uma boa experiência. Nem sempre é possível aplicar um design universal, como disse acima, existem diversos tipos de limitações e algumas delas requerem um tratamento diferenciado.

Contrariando o que muitas pessoas pensam, acessibilidade digital não é exclusivamente para pessoas acometidas por alguma deficiência na visão, até mesmo deficiências mentais e físicas podem ser previstas no ambiente digital. No caso do meu projeto, estive tratando de um cenário com um usuário daltônico, e portanto, achei interessante lhes dar uma breve introdução sobre o tema antes de apresentar os meus resultados.

Daltonismo e suas faces

Dentre as deficiências que acometem a visão, muito possivelmente você já deve ter ouvido falar sobre o daltonismo, não dificilmente teve contatos com personagens daltônicos neste ou naquele filme, frequentou aulas de genética no ensino médio, onde o professor apresentou o tema, ou tem algum conhecido que relata possuir a deficiência. Se for assim, você não é muito diferente de mim. A princípio muita gente acredita que ser daltônico está limitado ao fato de não conseguir diferenciar verde e vermelho, mas acreditem, o daltonismo vai muito além disso.

Eu não me tornei expert no tema, mas tive uma grande surpresa ao me deparar com dados que para mim eram total novidade. Alguns desses dados vou apresentar para vocês através de exemplos.

O daltonismo é mais comum do que você imagina.

É claro que as estimativas variam, mas é considerado que o  daltonismo afeta entre 5% e 10% da população masculina (é mais comum em homens, devido a condição genética). Ou seja, vale considerar que uma porcentagem significativa de seu público ­alvo pode ter dificuldade em apreciar ou até mesmo compreender os materiais de sua empresa, devido às cores utilizadas.

Existe mais de um tipo de daltonismo.

Sim, é isso mesmo, existem variações do daltonismo que podem ser classificadas em 3 grupos: monocromacias, dicromacias e tricromacias anómalas. Sendo o segundo grupo o mais comum, conhecido como daltonismo parcial.

Depois de alguns testes, pude enquadrar o meu usuário, no segundo grupo e é por isso que vou explorá-­lo melhor.

Considere esta imagem, se você não sofre de nenhuma deficiência na visão provavelmente está vendo as flores vermelhas e a grama verde:

Acessibilidade

Quem sofre de algum tipo de daltonismo pertencente a esse segundo grupo, como o meu usuário, e estará vendo esta mesma imagem com uma das colorações abaixo:

Protanopia: impossibilidade de discriminar cores no segmento verde­-amarelo-­vermelho do espectro, devido a ausência de cones vermelhos.

Protanopia

Deuteranopia: impossibilidade de discriminar também as cores no segmento verde­amarelo-­vermelho do espectro, devido a ausência de cones verdes.

Deuteranopia

Tritanopia: impossibilidade de ver cores na faixa azul­-amarelo, devido a ausência de cones azuis.

Tritanopia

Um agravante é que nem sempre o daltônico sabe em qual categoria ele se enquadra sendo necessários alguns “experimentos” -­ que podemos chamar de testes de usabilidade,­ para identificar as suas limitações.

Sabemos que nem sempre podemos contar com o contato com o usuário final. Então se possível, a minha dica é para que abranjam sempre os 3 tipos mais comuns ­- foi o que eu fiz.

Quando a informação não basta… Ferramentas!

Mas como nem sempre só a informação basta, fui atrás de algumas ferramentas que pudessem me auxiliar nesse processo de construção de interface.

  • Colour Blindness Simulator: só inserir a imagem, escolher o tipo de daltonismo e tcharam, resultado instantâneo e online para você.
  • Color Oracle: software sensacional para Mac e Windows, onde você pode simular na tela do seu computador qualquer tipo de daltonismo com poucos cliques.
  • Vischeck: pode ser usado tanto na versão web quanto na desktop, simulando a visão de um daltônico e/ou corrigindo a sua interface para se adaptar a isso.
  • Colour Contrast Check: ideal para testar os níveis de contraste entre letras e fundo e alcançar um resultado satisfatório.

Fim da jornada

Vira e mexe nos deparamos com alguma novidade de mercado ou algum projeto que requererá novos conhecimentos. Minha primeira experiência com design universal e acessibilidade digital, foi muito recompensadora, encontrei bastante material para me apoiar e muitas ferramentas úteis para auxiliar a criação da melhor interface possível para os meus usuários.

Ao fim da minha jornada, cheia de novidades, fiz algumas descobertas válidas para quem vai se aventurar na área da acessibilidade.

  1. Acessibilidade não é nenhum bicho de sete cabeças, a primeira experiência pode ser um pouco assustadora e te deixar sem saber o que fazer, mas basta quebrar os preconceitos e meter a cara que dá tudo certo.
  2. Esqueça os mitos que ouviu a respeito, procure sempre os fatos embasados e perceberá que o caminho é mais fácil do que parece.
  3. A informação é sua grande aliada: procure se informar sobre o usuário, suas limitações e o que pode ser feito para facilitar a vida dele.
  4. Ferramentas foram feitas para ser usadas: ache a que mais se adequa a sua necessidade e faça seus próprios testes.
  5. A experiência alheia pode ajudar muito, então não deixe de ler e ver o que outras pessoas fizeram sobre o tema, mas saiba selecionar o que se aplica a você e o que não.
  6. Se não tiver muito tempo, algumas dicas padrão podem reduzir a chance de errar, aqui vai a que eu considero mais útil nesse caso: trabalhe a interface para que tudo fique compreensível mesmo sem cor.

E lembre­-se sempre: como UXers nossa função é tornar todas as experiências as melhores possíveis… Para todos.

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