Faça design para pessoas, não para ganhar prêmios

Há alguns anos, trabalhei em uma agência de comunicação integrada aonde eu era coordenador de UX da equipe de design digital. Eu dividia a tarefa de liderar a equipe juntamente com um diretor de criação, publicitário. O engajamento sobre a necessidade de investir em UX na agência ainda era bem pequeno, e a importância de se fazer pesquisas com usuários ainda era pouco compreendida. O trabalho de UX (como em muitas outras agências) era resumido na prática a um wireframe bem organizado, mas que deveria ser flexível para o caso de os diretores de arte decidirem não segui-lo ao pé da letra no layout final.

No tempo em que trabalhei lá, durante minha luta diária para tentar semear empatia e mudar a cultura em prol da experiência do usuário, fizemos o projeto de um site para uma campanha anual do nosso principal cliente. A proposta vinda do lado publicitário era criar um quiz vendendo o conceito de “quantas pessoas você ajuda”. Com um visual descolado e muita interatividade, o usuário responderia uma série de perguntas sobre os seus hábitos de consumo para que no final o sistema exibisse um suposto número de pessoas que ele ajudava indiretamente apenas “consumindo”.

Todos adoraram a proposta, e em três ou quatro dias um diretor de arte já havia desenhado as telas. Era um quiz com cinco passos, cada um deles com perguntas sem pé nem cabeça sobre hábitos de consumo. Tentei ao menos realizar uma pesquisa com pessoas reais para levantar insights para o quiz, mas ouvi de imediato um “não precisamos perder tempo com isso”. Eu me sentia como um alienígena, sendo o único a não ver sentido algum nessa ideia (ou sendo o único a questionar essa falta de sentido).

Basicamente, iríamos incentivar a zona de conforto, fazendo as pessoas acreditarem na ideia de que estavam fazendo algum bem a outras pessoas e ao mundo apenas consumindo. Iríamos dizer que se consumissem mais, ajudariam mais pessoas indiretamente. Todos achavam que esse era o conceito perfeito a ser vendido pelo nosso cliente (comércio), mas eu me questionava: será que não existe outra maneira? Será que ao invés dessa proposta, não poderíamos fazer algo que estimulasse uma mudança de atitude positiva nas pessoas? Que incentivasse hábitos mais sustentáveis, práticas esportivas ou solidariedade e colaboração direta? Para mim, desenvolver essa proposta de projeto era dizer para as pessoas “continue jogando lixo na rua, que assim você está ajudando a manter o emprego do gari”, ou algo do tipo.

Meus argumentos eram para que criássemos algo que ajudasse a mudar o mundo, sei lá, algo como A Corrente do Bem. Eu tentava convencer a todos a projetar algo que ajudasse a obter mudanças reais na sociedade, mas o máximo que consegui foi ser taxado de comunista. Eles diziam que “o projeto tinha um look and feel que agregava awareness à marca” (urgh!), e convencer as pessoas a continuar consumindo para que assim “ajudassem os outros” parecia ser algo genial e inovador. Eu era voto vencido.

Foi então que eu desisti do projeto. Apenas designei as tarefas que a equipe deveria executar, e nem olhei mais para aquilo. E logicamente, ao perceber minha indiferença com o andamento do projeto, alguém que “mandava” na agência me disse: “Relaxa Agni… A ideia é legal, o cliente gostou, e com esse projeto dá até para ganharmos um prêmio!”.

Isso mesmo que você leu. Ganhar um prêmio!

Certa vez li em um site muito sério que uma das características dos publicitários é se dedicarem a projetos que não servirão pra nada além da inscrição em prêmios que só outros publicitários verão. Obviamente que não quero generalizar a classe, mas eu estava vendo essa característica bem de perto, naquele projeto que não serviria para nada.

Eu não queria apenas fazer interfaces e objetos bonitos, queria fazer algo que tornasse o mundo melhor, que transmitisse confiança para as pessoas. Usar o design para atingir resultados reais. Esse é o design que importava para mim. Muita gente pode me chamar de utópico, mas de fato acredito que os profissionais e as empresas precisam ter empatia e responsabilidade social. O bem-estar das pessoas deve sempre estar acima de qualquer expectativa de lucro.

Brandjam: o Design Emocional na Humanização das Marcas
Brandjam: o Design Emocional na Humanização das Marcas

No livro Brandjam: O Design Emocional na Humanização das Marcas, Marc Gobé diz que as marcas devem mudar de “comunicações e commodities” para “emoção e inspiração”, e coloca o design como um instrumento de branding que deve ser para as empresas a expressão de uma cultura totalmente nova – uma cultura de inovação e apoio focada no bem-estar humano. Também diz que existem três áreas de oportunidade para o design que têm uma ressonância especial com respeito ao humanismo: [1] emoção, [2] sustentabilidade e [3] design para os outros seis bilhões de pessoas – afinal, nem todo ser humano está socialmente apto a estar nesse mercado consumidor, o que não diminui a atenção que ele merece. Ganhar dinheiro é necessário, mas para mim o design também é uma forma de pensar no mundo que eu quero deixar para os meus filhos (essa frase é piegas, mas é verdadeira).

Pensando nessa mesma linha foi que o designer Timothy Prestero fez no TEDxBoston em 2012 um desabafo sobre a importância do design para ser usado no mundo real, em vez de para ganhar prêmios. Por isso, quero que você junte toda essa minha reflexão com o vídeo que vai assistir abaixo, e reflita um pouco sobre os produtos que você anda projetando… ou no mundo que anda construindo.

Eu tenho que pensar como um existencialista. Tenho que aceitar que não existem usuários burros, e sim produtos burros. Temos que nos questionar com perguntas difíceis. Estamos projetando para o mundo que nós queremos? Estamos projetando para o mundo que temos? Estamos projetando para o mundo que está chegando, estando prontos ou não para isso? Eu entrei neste negócio de desenhar produtos. Desde então, aprendi que se queremos realmente fazer a diferença no mundo, temos que desenhar resultados. E este é o design que importa. (Timothy Prestero)

0 comentário em “Faça design para pessoas, não para ganhar prêmios”

  1. Quando trabalhava em agencia imaginava que aquele mundinho era o centro do universo. A forma cult de ser, as roupas, iphones, ipods, maneira de falar mal do trabalho dos outros, achar que todo mundo é ignorante, era o que importava. Mas aos poucos fui percebendo que na verdade não era nada. O mundo vive perfeitamente bem sem o publicitário. A diferença está no design. Este fica pra vida toda e faz a diferença para as pessoas. Não é a propaganda da Coca cola que dura desde sua criação, é o design da garrafa que é imortal. As pessoas não usam Apple só porque é mais caro ou é chique. Mas pelo design simples, pelo estilo de vida que ele representa. Design não é supérfluo como publicidade.

  2. Belo texto, concordo totalmente. Tive uma experiência parecida, talvez ainda pior, pois ouvi algo semelhante de um professor da universidade ao falar-lhe sobre o tema e projeto que escolhi para o meu TCC. Ao lhe apresentar a ideia a frase falada foi “mas nenhuma empresa vai se interessar por este produto por ser um item que não teria uma procura em grande escala”, em sumo, foi o projeto que levei em frente, conclui meu curso, e estou na batalha por conseguir produzir, mesmo que em pequena escala de produção. Se meu projeto ajudar uma pessoa se quer, já estaria realizado…

  3. Excelente reflexão, eu saí do mundo de agências pela mesma razão, em um job recebi a incumbência de fazer um aplicativo bonito e funcional, para dizer que a marca do cliente era “socialmente responsável”, quando fiz o planejamento coloquei algumas pesquisas que deveriam ser feitas, sobre o comportamento dos clientes e sobre a história da marca para entender onde a empresa poderia se destacar nesse quesito, o diretor da agência me proibiu de pesquisar dados reais sobre o fato, era só para ser bonito, pois iam colocar como campanha social em Cannes…
    Acabei pedindo demissão depois disso…

  4. Edu, compartilhamos da mesma visão, e de um certo modo da mesma experiência (enquanto lia seu texto me vi inúmeras vezes em meu trajeto profissional). Ter um olhar mais crítico e construtivo para melhorar a vida das pessoas em uma sociedade maluca, consumista, mal orientada e com tanto foco no ego é realmente ser um alienígena neste planeta. A questão humanista, em muitos casos é apenas um discurso público bonito, nem sempre incorporado genuinamente nos valores reais de uma empresa, principalmente das agências de publicidade e grandes empresas. No caso em que você relata, o maior prêmio quem conquistou foi você, por reafirmar seus valores e pedir demissão de um lugar cuja maioria não compartilha deles. Abraço!

  5. Muito bom seu artigo Edu.

    Fazendo uma analogia para os dias de hoje, existem inúmeras interfaces bonitas no dribbble, behance, etc. Mas quantas delas realmente vingou e impactou as pessoas para o propósito no qual era designado? (Isso quando as peças realmente tem algum propósito.)

    Eu quero ser um designer que ajude a melhorar a vida das pessoas através do meu trabalho, estou longe disso, mas o importante é não perder o foco.

    Obrigado pela inspiração do dia!

    Abs

    1. Verdade, Tiago.
      A interface bonita do Portfólio geralmente se encaixa em um desses casos:
      1) A ideal, mas o chefe não gostou e acabou indo uma pior pra rua.
      2) Não era funcional, mas era bonita e “clean” e o designer preferiu a versão dele. A melhor e mais funcional foi pra rua.
      3) Era de concorrência, mas o projeto não existe.
      4) Não foi aprovada, não foi pra rua, mas era bonita.
      4) É a verdadeira, tá no ar, linda (esse é o mais raro dos casos).

  6. Edu,
    Parabéns pelo texto!

    É muito desmotivador ter que lidar com esses “profissionais”. Alguns projetam para prêmios e outros para o cliente, para o chefe, mas raramente para pessoas reais, mas quando vejo projetos para pessoas reais dando certo, uma chama poderosa reacende a minha alma e então deixo de me sentir uma alienígena. (profundo isso! rs)

    Abs e parabéns novamente, tô sempre por aqui lendo 🙂

  7. Bela reflexão. Escreveu o que muitos gostariam de ter escrito, Edu.
    Sempre tive esse pensamento. Eu sempre caguei para prêmios, quero mesmo é projetar algo útil, que dê resultados significativos para as pessoas, consequentemente para o negócio do cliente.
    Mas realmente, empresas vem com o discurso de ter equipe de UX, de querer fazer a diferença e tal, mas no fim é o “uaire” + layout que sai. Acho até que algumas tem a intenção de fazer direito, mas o problema muitas vezes está no próprio cliente da agência – ou se trabalha no cliente, dentro do próprio cliente – que não quer pagar uma pesquisa e quer algo para ontem e, para não perder o cliente a agência vai entregar uma interface bonita apenas, sem estudos de UX. Infelizmente essa é uma realidade latente ainda aqui no Brasil devido à cultura impregnada das também tradicionais agências publicidade que vieram da TV e do Offline, achando que o online era só fazer slice na imagem, transformar em html e pronto, temos um site. Conheço muitos DAs que acham que fazem UX, mas na verdade são só feras em dar uma cara linda em cima de um wireframe feito pelo AI.

    Quer se sentir MESMO um alienígena na maioria dos lugares? É só abordar o tema “acessibilidade” para cegos e deficientes motores. As pessoas ficam com cara de interrogação!!! “Ah, mas é a minoria”. É o que mais ouço :/

    Contudo, tenho esperanças. Tenho visto muitos projetos bacanas saindo. Isso é o que me motiva seguir em frente.
    Acho que nessa equação, de nada adianta querer achar culpados (do tipo “agência é tudo uma merda”), cabe a nós, profissionais de UX nos colocarmos num patamar mais estratégico (não apenas fazedores de wire) e levarmos o valor do UX para as empresas tradicionais ou de publicidade. Ou, se não nos vermos ali, fazer como fez, pedir as contas.

    Bora fazer a diferença! 🙂

  8. Adorei! Não sou UX designer (ainda), sou formada em publicidade e, o que você escreveu me fez ver o porque não quero seguir como publicitária e cada vez gosto mais da área de UX!
    Muito boa sua reflexão, e esse blog têm me ajudado bastante em meus estudos. Obrigada =)

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